Tivemos que reconhecer que a nossa geração era mais honesta do que a deles (...). O primeiro bombardeio nos mostrou nosso erro [em acreditar nos mais velhos], e debaixo dele ruiu toda a concepção do mundo que nos tinham ensinado.
(Erich M. Remarque, em Nada de Novo no Front, com adição)
A Primeira Guerra Mundial ou Grande Guerra (1914-1918) foi o maior confronto que a Humanidade já havia presenciado desde então. De um lado França, Inglaterra, EUA e aliados. Do outro, Alemanha, o já extinto Império Austro-Húngaro e outros países simpatizantes (o primeiro grupo sagrou-se vencedor).
O Século XX trouxera as maravilhas da tecnologia industrial e, infelizmente, também os horrores das guerras modernas.
Canhões gigantescos, tanques, aviões, submarinos, armas químicas e biológicas, minas, lança-chamas... a partir daqueles anos, as máquinas bélicas dariam aos homens um poder mortífero de dimensões apocalípticas.
Países se transformaram em terra-de-ninguém, campos, bosques, vales, aldeias e cidades eram agora ruínas, terrenos chamuscados, quilômetros de arames farpados e crateras feitas pelas explosões das bombas.
Soldados enlameados e assustados sangravam em trincheiras fétidas e insalubres, onde ficavam, por vezes, sem avançar por meses. Elas serviram de sepultura para muitos deles.
Cada lado prometera aos recrutas honra e glória na guerra, mas, até então, aqueles jovens só haviam conhecido medo e morte.
Viram também que o inimigo não era muito diferente deles: todos haviam deixado o lar, família, parentes, amigos, trabalho, colégio, terra natal, enfim, um futuro (para muitos promissor) para morrerem sozinhos, entre soluços e preces, no fogo das explosões e zumbido das balas.
Sobre isso, ninguém havia dito a eles.
A maior parte dos superiores - políticos e generais - longe da realidade do front de batalha, lançavam, em ataques irresponsáveis e suicidas, levas de soldados para serem despedaçados por granadas e rajadas de metralhadoras.
Todo esse sacrifício para satisfazer (supostamente) o orgulho da nação. E, assim, uma geração inteira desapareceu. Só na batalha do rio Somme (no norte da França, próximo à fronteira com a Bélgica, em 1916) mais de 1 milhão de soldados morreram juntando-se ambos os lados, e sem gerar resultados satisfatórios.
Mas algo de estranho aconteceu.
Ocorreu no primeiro ano do conflito, em Ypres, na Bélgica. Os homens estavam exaustos, haviam combatido durante meses. A guerra havia começado no verão europeu, passou o outono e chegou o gelado inverno.
Então, numa noite, olharam para o céu: a abóbada celestial estava bela, o céu noturno milagrosamente havia limpado, a neve não mais caía, o frio pareceu diminuir, e podia-se ver no zênite as belas constelações cintilando. Alguns avistaram até mesmo uma estrela maior, no horizonte oriental, que parecia atraí-los de forma misteriosa.
Aquela não era uma noite comum... era Véspera de Natal, a Noite Santa!
O som das bombas e tiros foi aos poucos diminuindo...
Meia-noite... ouviu-se, ao longe, as badaladas de um sino!
Dentro das trincheiras agora só havia os risos de confraternização dos companheiros e as canções natalinas (iniciadas pelos alemães e depois entoadas pelos britânicos e franceses que os ouviram). Alguns logo improvisaram uma árvore feita de galhos secos e velas, outros juntaram suas rações tentando organizar uma ceia.
Alguns suboficiais, simpatizados com o acontecimento, presentearam seus subordinados com algumas garrafas dos seus melhores vinhos e champanhas.
A mesa farta, a árvore enfeitada e os presentes coloridos, a roda de amigos, as crianças brincando, apertos de mãos, abraços e beijos... Coisas aparentemente simples, mas que naquela hora eram mais valiosas que ouro ou prata ou medalhas.
O sol surgiu, era uma bela e luminosa manhã, a Manhã de Natal. Entre as brechas das nuvens saíram fachos solares, e no fundo visualizou-se o belo azul celestial, parecendo um olhar divino sobre a terra sofrida.
Os combates cessaram, permaneceu o silêncio, o santo silêncio que desde a noite anterior havia perdurado, como que para não acordar o “Menino recém-nascido”.
Alguém improvisou uma bandeira branca com um lenço amarrado em uma vareta e, então, franceses, britânicos e alemães surpreendentemente saíram de suas trincheiras. Largaram seus fuzis com baionetas e seguiram caminhando pela terra devastada.
Eles se aproximaram armados apenas com sorrisos, apertos de mãos e abraços. Seguiu-se uma diplomacia amadora, sincera, fraternal e, por isso, mais eficiente do que a diplomacia fria e vazia dos governos.
Eram dezenas, talvez centenas de milhares de soldados, a maioria jovens. Confraternizaram-se, jogando futebol, trocando lembranças e presentes, fumo, cigarros e charutos, lingüiças, batatas, pães, bolos, compotas, doces caseiros... brindando com chocolate, rum, conhaque, café e chá quentes... trocando fotografias e cartas de família...
Naquele momento, não havia lados opostos e fronteiras, interesses políticos, hierarquias sociais ou militares, não havia nem mesmo a barreira do idioma... pois todos eram iguais, todos eram irmãos... todos eram meninos... comemorando o Natal juntos... desejando nunca haver crescido para matarem uns aos outros.
Alguns choravam, mas agora as lágrimas não eram amargas... eram de alegria, e todos faziam votos de paz.
Naquele momento, não havia lados opostos e fronteiras, interesses políticos, hierarquias sociais ou militares, não havia nem mesmo a barreira do idioma... pois todos eram iguais, todos eram irmãos... todos eram meninos... comemorando o Natal juntos... desejando nunca haver crescido para matarem uns aos outros.
Alguns choravam, mas agora as lágrimas não eram amargas... eram de alegria, e todos faziam votos de paz.
Porém, tal esperança não durou muito, apenas seis dias. Logo a notícia do “Milagre de Natal” chegou aos altos comandos de ambos os lados. Viram nisso a ante-sala do motim, da revolução, da anarquia. A disciplina militar tinha que ser mantida para que os soldados não tomassem o poder.
A reação foi cruel e imediata: a artilharia, de ambos os lados, abriu fogo (acertando inclusive seus próprios homens). Logo todos se dispersaram, recolhendo-se, assustados como coelhos sendo caçados, aos escuros e tristes buracos chamados trincheiras.
Nos dias subsequentes, severas medidas disciplinares foram tomadas: punições e perseguições, visitas dos superiores e discursos.
Pela primeira vez, em semanas, os altos oficiais foram à linha de frente e desceram às trincheiras, trazendo presentes para conquistar os homens, identificando líderes, exortando os soldados ao esforço da luta, escolhendo informantes para avisá-los da iminência de fatos semelhantes, lembrando o dever e o ódio ao inimigo, transferindo, em ambos os lados, tropas e batalhões inteiros (pois eles agora se viam como irmãos).
Pela primeira vez, em semanas, os altos oficiais foram à linha de frente e desceram às trincheiras, trazendo presentes para conquistar os homens, identificando líderes, exortando os soldados ao esforço da luta, escolhendo informantes para avisá-los da iminência de fatos semelhantes, lembrando o dever e o ódio ao inimigo, transferindo, em ambos os lados, tropas e batalhões inteiros (pois eles agora se viam como irmãos).
Logo 1914 chegou ao fim. Os generais, de ambos os lados, com falatórios otimistas, prometeram uma guerra breve e a vitória no final. Porém, a guerra duraria mais quatro longos e sangrentos anos. Os que sobreviveram saíram feridos física e mentalmente.
Mas aqueles jovens haviam aprendido coisas importantes. Aprenderam que na guerra não há vencedores, apenas vencidos! Todos perdem algo ou alguém; aprenderam que a "covardia" muitas vezes vale mais que a "coragem", se o caso for manter-se vivo ou manter a vida dos amigos.
Apesar da outra guerra mundial que seguiu-se, e de outros conflitos posteriores, aquela juventude, como outras vindouras, tentaria pensar por si e não mais obedecer cegamente o que certas pessoas mais velhas ordenassem. Talvez daí advenha a fama de rebeldia que os jovens levam. Rebeldia, nesse caso, salutar.
Naquele Natal de 1914, os jovens soldados haviam recebido o Jesus Menino em meio a guerra, que crescera e fora jovem como eles... e o Menino dera, em Seu aniversário, um presente tão almejado por todos: a Paz... mesmo que momentânea.
A guerra acabou... se você quiser!
(John Lennon e Yoko Ono, Merry Xmas)
(Baseado no texto de Domício Proença Júnior, na coleção O Globo 2000, nº 6, p. 139).
Enquanto a Terra sofre, luta e não descansa
E o Homem atribulado se exaspera,
Guardemos-Te a presença e a vida na lembrança,
Cantando o Teu Natal, perante a Nova Era.
A Tua proteção é luz que não se altera
No tempo que se foi e no tempo que avança,
Cada hora contigo é nova primavera
Em florações de fé e lauréis de esperança.
..."Glória a Deus nas Alturas!..." Canto inesquecível!...
És Tu, Mestre do Bem, que te abaixas de nível,
Trazendo paz no amor aos tutelados Teus!...
Natal!... Embora a dor e os prenúncios de guerra,
Nós te amamos, Jesus, sobre as armas da Terra,
Procurando contigo a integração com Deus!...
(Mensagem para Jesus, soneto do Espírito Maria Dolores, através do médium Francisco Cândido Xavier, em reunião pública do Grupo Espírita da Prece, 17/10/1992, Uberaba-MG)
* * *
Em 2005, o cineasta francês Christian Carion recriou esse episódio verídico da Primeira Guerra Mundial: na Véspera e no Natal de 1914, alemães, franceses e escocês cessaram fogo para confraternizarem-se. O nome original do filme (em francês) é Joyeux Noël. Nos EUA recebeu o título de Merry Christmas, no Brasil, de Feliz Natal. Foi indicado ao Globo de Ouro e ao Oscar como Melhor Filme Estrangeiro (2006).
Muito bom, emocionante
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